Segundo o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, a validade das provas em ações penais é um dos pilares do devido processo legal no ordenamento jurídico brasileiro. Com a promulgação da Lei 11.690/08, que alterou substancialmente o artigo 155 do Código de Processo Penal, passou a ser vedado ao juiz fundamentar condenação exclusivamente em provas colhidas na fase inquisitorial. Neste caso, o desembargador apresentou voto vencido que se destacou justamente por valorizar essa garantia processual.
O réu havia sido condenado por crime de lesão corporal grave, com base em declarações prestadas pela vítima à autoridade policial e em testemunho indireto de sua esposa. O desembargador, no entanto, entendeu que tais elementos, por não serem produzidos sob contraditório judicial, não poderiam sustentar a condenação. Entenda abaixo:
Prova em lesões corporais: o novo artigo 155 do CPP e a crítica à condenação com base no inquérito
Em seu voto, o desembargador destacou que a condenação do réu se baseou quase que exclusivamente em provas oriundas da fase policial, o que contraria a nova redação do artigo 155 do Código de Processo Penal. Essa alteração legislativa estabeleceu que o juiz deve formar sua convicção pela prova produzida em juízo, sob o crivo do contraditório, admitindo-se exceções apenas para provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas. No caso analisado, nenhuma dessas exceções se aplicava.

O magistrado observou que a vítima, já falecida no momento da instrução judicial, não foi ouvida em juízo. Assim, sua declaração prestada apenas na delegacia não poderia sustentar validamente a condenação. Além disso, a única testemunha ouvida, a esposa da vítima, limitou-se a relatar o que ouviu do marido, sem ter presenciado os fatos. Alexandre Victor de Carvalho foi enfático ao afirmar que o chamado “testemunho de ouvir dizer” não pode ser admitido como base única para um decreto condenatório.
A defesa da absolvição diante da fragilidade probatória
Para o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, a condenação proferida com base em prova exclusivamente inquisitorial compromete a legitimidade do processo penal. Ele ressaltou que, embora o réu tenha negado os fatos desde o início, nenhuma prova cabal foi produzida para confirmar sua culpa durante a instrução judicial. A ausência da vítima no julgamento inviabilizou a confirmação do depoimento anterior sob contraditório, tornando-o, assim, inservível como fundamento exclusivo da sentença.
Além disso, o magistrado criticou o uso do depoimento indireto da esposa da vítima, argumentando que a atribuição de responsabilidade penal não pode se basear em relatos de terceiros sobre declarações alheias. Para ele, aceitar esse tipo de prova equivaleria a permitir que o depoimento de um falecido fosse “reapresentado” por outra pessoa, o que não encontra amparo nem na doutrina, nem na jurisprudência moderna. Por esses motivos, votou pela absolvição do acusado, invocando o princípio in dubio pro reo.
Divergência no colegiado e reafirmação da prova testemunhal
Apesar da sólida fundamentação jurídica, o voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho foi vencido. O relator para o acórdão, desembargador, entendeu que as provas constantes nos autos eram suficientes para manter a condenação. Para ele, a palavra da vítima, prestada na fase policial, foi confirmada por laudos periciais e pelo testemunho da esposa, formando um conjunto probatório harmônico. Essa posição, contudo, ignora a exigência de produção probatória em juízo, conforme determina a legislação em vigor.
O voto vencedor também reconheceu como válidas as conclusões médicas constantes nos autos, que atestaram lesões graves e debilidade permanente no dedo da vítima. A partir dessas provas periciais e da declaração policial da vítima, reforçada pelo testemunho de sua esposa, a maioria dos desembargadores decidiu manter a sentença condenatória. Ainda assim, o posicionamento do desembargador permanece relevante por apontar os riscos de decisões penais baseadas em provas sem contraditório.
Em resumo, o voto vencido do desembargador Alexandre Victor de Carvalho no processo de apelação criminal nº 1.0338.03.015299-9/001 representa uma firme defesa do devido processo legal e da presunção de inocência. Ao reconhecer que a condenação se baseou exclusivamente em elementos da fase inquisitorial, o magistrado aplicou corretamente a nova redação do artigo 155 do CPP, que exige a produção probatória em juízo como condição para a formação da culpa.
Autor: Laimyra Sevel